" Ensinar é um exercício de imortalidade.De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra o professor,assim,não morre jamais..."

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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

CARTA DE ANTONIO

Apostila dada para nós da classe de Pedagogia

Vamos refletir!

CARTA DE ANTONIO

“Quando eu vim para São Paulo, não sabia ler e fui trabalhar na construção, como ajudante. Foi lá que eu senti que precisava aprender um pouco, porque ficar a vida toda fazendo massa e carregando areia não ia dar. Eu nem sabia que tinha escola pra adulto. Mas não sei se ia lá não. Eu achava uma vergonha ficar exibindo que não sabia. Pensei, então, em aprender sozinho.

Toda noite pegava um pedaço de jornal que achava na obra, ou mesmo na rua. Fiquei muito tempo só olhando as letras. Foi aí que eu vi que tinha letra que aparecia muito, toda hora aparecia, e outras que eram difíceis de aparecer. Uma coisa que eu também vi é que tem letra que não fica no fim das palavras. As do fim eram a, s, o, l, m e algumas outras. As letras que não podiam ficar no fim eram como g, t, q, v, f. Vi também que só poucas letras, como o, e, a, ficavam sozinhas. Tinha palavras de duas letras, não eram muitas.

Comprei um caderno e fui fazendo cópia das letras.

Um dia fiquei sabendo que meu nome estava escrito na identidade. Minha namorada me mostrou onde estava o nome e eu fiquei escrevendo até saber ele todo de cor. Comecei a achar pedaço do meu nome em todo jornal que eu pegava. Um dia achei Antônio inteiro lá, no retrato de um homem que parecia muito importante. Já tinha visto ele na televisão.

Agora, eu aprendi mesmo, foi quando fiquei olhando pras placas. Na minha obra, tinha o nome da construtora: SEABRA. Brasil era o nome que estava no caderno que eu comprei. Brasil e SEABRA ficavam muito parecidos quando estavam escritos. Do jeito que começa Brasil acaba SEABRA. Fui aprendendo a ler e escrever uma porção de nomes: Antônio, Seabra,casa, São Paulo, rua, avenida, Santana, Ceará, Maria.

Fui tentando um poquinho aqui, olhando o que já sabia, fazendo uma perguntinha ali e de repente foi como um susto, porque estava lendo tudo. Fiquei tão satisfeito que escrevi uma carta pra minha mãe que mora no Ceará.”

Antônio Costa de Abreu, transcrito de Poetizando: livro do educador, do Vereda – centro de Estudos em Educação, São Paulo, 1994.


Comentários – Carta do Antonio

A partir desse relato, podemos levantar alguns pontos para reflexão: para aprender a ler e escrever, é preciso encontrar um sentido, um objetivo para essa aprendizagem. Considerando a alfabetização um meio para melhorar de vida, Antônio mobilizou-se para isso quando se percebeu como adulto analfabeto.

Será que os alunos estão percebendo um sentido para aprender?

O que a escola pode fazer para que a leitura e escrita adquiram esse sentido?

Antônio tinha vergonha de exibir que não sabia. É muito comum crianças maiores, adolescentes e adultos analfabetos sentirem-se assim. Às vezes, essa vergonha se manifesta em reações de indisciplina, outras em indiferença, um “dar de ombros”, recusar a ajuda do professor ou dos colegas e outras manifestações que você conhece bem. Antônio conseguiu superar a vergonha e foi em busca do conhecimento. Os alunos também podem superá-la.

O autor do relato não comprou uma cartilha, mas lançou mão do jornal e passou a observar o que estava escrito nas placas e no documento de identidade. É como se intuitivamente soubesse que a melhor forma de aprender a ler e escrever é a partir dos usos que a escrita tem na sociedade: “Fiquei muito tempo só olhando as letras. Foi aí que eu vi...”. O contato com o texto (jornal, placas, nomes) fez com que Antônio pensasse sobre a escrita e fosse descobrindo algumas regularidades do sistema alfabético.

Aparentemente, Antônio aprendeu sozinho mas, na verdade, contou com a colaboração de outras pessoas, que lhe deram informações importantes sobre a escrita: a namorada mostrou onde estava escrito o nome – inicialmente a palavra mais significativa – e todas as pessoas que responderam às suas perguntas (“fazendo uma perguntinha ali e de repente...”). Com certeza, não foi esforço – e que, no entanto, quando começa, não pára.

Concluindo, poderíamos dizer que, para se alfabetizar, é preciso:

compreender para que serve a escrita e atribuir significado a ela. Isso só é possível se ela for trabalhada na sala de aula em seus usos sociais; por isso é que os alunos não-alfabetizados devem participar de verdadeiras situações de leitura e escrita. O fato de não estarem alfabetizados não deve ser impedimento para que participem e, sim, mais um motivo para isso. Quando você (ou um colega alfabetizado) lê para o aluno, ele também é leitor, porque atribui sentido ao texto lido. Quando você (ou um colega alfabetizado) registra as idéias do aluno não-alfabetizado num texto coletivo, ele também é autor do texto;

perceber o que a escrita representa e como ela se organiza. O contato com diferentes gêneros permite que o sujeito internalize as diferentes formas de organização textual e descubra o que a escrita representa e como se organiza. Por isso enfatizamos o trabalho com diferentes tipos de texto e listas de palavras organizadas, com os alunos, dentro de um mesmo universo de significado. Com esse objetivo, também, temos insistido para que explorem as rimas e utilizem jogos que levem ao reconhecimento de letras, destaque de letras iniciais e finais, relação entre som e grafia etc.

Procure sensibilizar a classe para ajudá-los. Muitas vezes você pode pensar que está prejudicando os alunos alfabetizados, quando dedica uma parte do dia para dar uma atenção especial aos que ainda não lêem convencionalmente. No entanto, a responsabilidade social pelos analfabetos deve ser de todos e, na escola, junto com os conhecimentos das diferentes áreas, também se ensina a solidariedade. Dedicando-se aos não-alfabetizados e mobilizando os alunos já alfabetizados para que colaborem, você estará dando um exemplo de cidadania e, quem sabe, lançando sementes para uma sociedade mais humana.

Referência

Poetizando: livro do educador, do Vereda – Centro de Estudos em Educação, São Paulo, 1994.

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